2. Era pra ser uma notícia sobre o que tenho lido. Mas não vai ser agora. O que tenho lido requer uma organização, uma sequência. O que tenho a dizer agora é que estou tentando acompanhar o silêncio solene desta hora.O bairro adormecido, os carros quase todos nas garagens, os fiapos da música ao longe. E risos e conversas.E por fim, nem isso.Arrumando a biblioteca, viro presa fácil de antigos cadernos.Quando releio estes escritos, o que mais ressalta é o desespero de uma alma se debatendo: sabendo que Deus está presente, mas tentando negar essa presença, por não se sentir à altura da responsabilidade que Ele lhe reservou em Seus planos.Esse desespero me empurrava para a vaidade, expressa numa necessidade compulsiva de dizer coisas bonitas. Fugir da superficialidade dos ditados, dos chistes, das frases feitas, sentindo que eles têm sua sabedoria. E que, em certos momentos, só a banalidade nos salva. Salva? Mas não, não seria assim. Eis como foi: um dia, Deus teve pena de mim e me libertou da tirania da beleza. Funciona mais ou menos assim: se você tem algo a dizer, saiba que o leitor não se interessa pela sua vida.Não importa como você vive ou viveu. Importa como você leu - e como chegou ao que leu.Se você tem algo a dizer, diga. O estilo virá quase instintivamente - no começo. Mas logo você verá que o instinto não basta - e até pode atrapalhar muito. Você terá que se concentrar na palavra. A palavra que fundou este mundo e com a qual se pleiteia um lugar no Reino dos Céus. Ou, no mínimo, fica-se sabendo que existe um.
Words by Livia Soares
Photo by José Boldt