sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Dos "Cadernos de Poesia": Cinebiografema II (O "Making Of" do Meu Segredo)




O cinema me esmaga com sua voz


na sala escura: "Sou tudo que podes ter.


Sou a poesia travestida, humilhada


pela obrigação de agradar."


Mas eu, que o amo tanto, sei


que ele é apenas o primo pobre da poesia


usando roupas caras de outros tempos


para disfarçar a falência.


Por exemplo, hoje, essa linda capa


à espanhola, imitando um nobre de Velásquez


em púrpura profunda feito as cortinas


do Cine Paissandu, mas puída, grande demais


e cheirando a mofo. As lágrimas


em meus cílios se devem a ácaros


ou recuerdos? A luta continua,


não toque no meu companheiro, etc.


Mas de vez em quando, é preciso


algo mais que uma câmera na mão


e certas idéias na cabeça.


Há que debruçar-se sobre um verso de Virgílio,


contemplar um chiaroscuro de Georges de La Tour,


estacar ante um olhar perdido de Monty Clift,


a dois passos da obscuridade...


"Está muito bem", sussurra a voz,


"mas tudo no mais absoluto sigilo,


para não estragar o domingo das pessoas".


O cinema me esmaga e me atira na rua,


sozinha. Mas não por muito tempo.
Words by Lívia Soares
Imagem: o ator Montgomery Clift, circa 1950 (sem créditos)

7 comentários:

Carlos Henrique Leiros disse...

O Cinema é uma espécie de poesia "on parade", algo que foi pouco a pouco esquecido, em razão de ditames mercadológicos ou, ainda, da "ditadura da diversão".
Cinema virou divertimento infanto-juvenil, o que muito me desagrada.
Resta-me o consolo, porém, de saber que existem pessoas como você, cujo interesse por Arte ultrapassa a simples curiosidade. Você a venera porque a entende. Os versos têm o dom de confirmar.
O Cinema nos joga literalmente na rua [no mundo], renovados e estranhos, perplexos e embevecidos.
Bela postagem, Lívia.
Lembrei de Cidade das Mulheres, de O Anjo Exterminador, de O Ovo da Serpente e de Bom Dia, Tristeza.
Lembrei de todas as cenas. E das sessões matinais que não existem mais.
Abraços.
Carlos

Tinta Azul disse...

Assino por baixo do Carlos, se ele deixar, é claro.
Um abraço

m disse...

já tentei de tudo pra disfarçar a falência :~

vou tentar dar continuidade ao que pode vir a ser um conto. mas que fique claro: não depende de inspiração.

beijos tantos!

miKael disse...

Oi Livia
.
Apesar de ter visitado seu espaço outras vezes [silencioso], esta é a primeira vez que me atrevo a fazer um comentário.
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Normalmente, procuro observar/conhecer/analisar melhor espaços virtuais antes de fazer algum contato com seu dono...
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... mas sua última postagem me impede de ficar calado
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"... ele (o cinema) é apenas o primo pobre da poesia..."
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vc faz idéia de como é doloroso para um cinéfilo como eu ouvir/ler isso?
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concordo com o Ch de que o cinema é premido "em razão de ditames mercadológicos ou, ainda, da 'ditadura da diversão'".
Mas, não creio q tenha se tornado apenas "divertimento infanto-juvenil".
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O que poderíamos dizer sobre filmes como:
Mar Adentro (Alejandro Amenábar)
Invasões Bárbaras (Denys Arcand)
A fraternidade é Vermelha (Kieslowski)
Lavoura Arcaica (da obra de Raduan Nassar)
A Cidade dos Sonhos (David Lynch)
Brilho Eterno... (Gondry & Kaufman)
Lanternas Vermelhas (Zhang Yimou)
Blade Runner (Ridley Scott)
Adeus Minha Cocumbina (Chen Kaige)
Asas do Desejo (Win Wenders)
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... algo que não fosse arte!?
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perdoe-me, mas, para mim, cinema é sétima arte, e nesse caso o sétima não se refere a nenhum tipo de classificação hierarquizada...
refere-se ao fato de ser o caçula, cujos irmãos mais velhos são a pintura, a escultura, a música, a poesia etc
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concordo q há mto lixo cinematográfico, mas, será q há alguma forma artística q esteja imune desta infecção?
afinal, nunca se editou tanto lixo travestido de poesia qto hoje em dia
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dentro do sistema capitalista td e qlq manifestação da alma humana está sujeita a um processo de mercantilização.
Utilizar do próprio sistema para subvertê-lo constitue no grande desafio, não só do cinema, mas de td e qlq forma de Arte.
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Poderia passar horas falando sobre isso..., mas, creio q já me excedi.
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Perdoe-me, se fui incisivo demais, ou até msm petulante, mas, o amor cega.
Portanto, não leve mto a sério minhas palavras, são ecos de um coração apaixonado pelo cinema.
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Ao contrário do q possa parecer, gostei mto do seu espaço, espero q eu não cause uma má (1ª) impressão, pois pretendo vir aqui outras vezes...
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miKael disse...

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Oi Livia,
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fico feliz em saber q minha presença (ainda q mal-criada) tenha lhe agradado.
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com ctz poderemos trocar figurinhas sobre cinema
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relação de amor e ódio com o cinema?
Interessante,
acho q possuo uma relação assim com o ato de escrever.
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pelo cinema possuo uma paixão cega, obcessiva (srsrs)
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com mais tempo voltarei para te ler melhor
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um abraço
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Juan B. Morán disse...

Nunca tengo suficiente para ir al cine por motivos laborales, pero como un antídoto contra algunos aspectos de la realidad, me gusta perder mis ojos y mis sentimientos en alguna película ya vieja, en blanco y negro, del cine francés. Así que comparto sentimientos que tu poema expresa. Sí, el cine es poesía.

Saludos

Anônimo disse...

É demais...Lívia, poesia e cinema juntos...é realmente uma trilogia "a la Godfather".
Grande abraço,
Fabiano.