

Meu primeiro herói literário foi completamente desconhecido para mim durante muitos anos. Eu o admirei profundamente, sem saber quem era, sem sequer me lembrar de que ele existia - por intermédio de sua obra, que era Patópolis. Ocorre que aprendi a ler numa revista em quadrinhos, o que vale dizer: aprendi a ler lendo balões e legendas de HQ. E a primeira história completa que li se chamava As Mil Faces de Maga Patalójika. Foi uma grande emoção, um estremecimento cheio de presságios. Desse dia em diante, eu amaria Carl Barks com toda a minha imensa ignorância infantil, com toda a força misteriosa dos começos. O traço de Barks, prontamente reconhecível, era um prenúncio de momentos inesquecíveis ao lado dos patos, cujas aventuras os arrastavam pelos cinco continentes e pelos sete mares - e me levavam junto. Nada me deu tanta vontade de correr mundo, de me encontrar com a vastidão dos seus idiomas, culturas, costumes. Mas o melhor de tudo é que naqueles preciosos instantes em que uma historinha de Barks estava sendo fruída, eu não pensava. Só havia tempo para me maravilhar. Ao longo dos anos, tenho lido e relido essas revistas sempre que posso. É sempre arrebatador. Reler Barks talvez seja uma tentativa de atualizar o encantamento sem perder a coerência do sentido. Porque naquele tempo, fascinada pelas aventuras dos patos, começou para mim um hábito que se estenderia aos livros e que ainda cultivo: sentir o cheiro da revistinha nova, quando era aberta e folheada pela primeira vez. E a emoção de encontrar num sebo aquela edição que não fora possível adquirir por ocasião do lançamento - o cheiro era ruim, mas havia uma ternura especial em botar a revistinha no sol, pendurada no varal; depois, na sombra, para tomar ar, para que só então pudesse ser lida sem me causar uma tremenda crise alérgica, desencadeando a fúria zelosa da minha mãe... Carl Barks, sem ser considerado parte da literatura, abriu para mim as portas de um vasto mundo que, anos depois, eu vim a saber que se chamava, exatamente, literatura.
P.S.: A muito custo, consegui selecionar minhas dez histórias favoritas, o hit-parade do coração - mas tudo, absolutamente tudo que Carl Barks produziu com os patos deve ser lido...
As Mil Faces de Maga Patalójika
Os Micropatos do Espaço
O Grande Prêmio do Globo de Cristal
A Rainha das Sereias
O Diamante da Maldição
A Mina da Rainha de Sabá
O Caso das Perucas Catastróficas
A Caixinha Preta
O Dia em Que Patópolis Parou
O Tesouro de Marco Polo
Todas estão disponíveis no Brasil em formato americano e capa cartonada, na coleção O Melhor da Disney - As obras Completas de Carl Barks da Editora Abril.