
"O amor é sempre verdadeiro, o mundo é que pisa em falso", tu me dizes, compenetrada, compondo - sem querer - meu epitáfio. Nuvens e areia se precipitam sobre nós, em gotas que pesam e ferem. Nós corremos na tarde cinza, fustigadas por areia e vento, machucando os pés no brilho cambiante de um dia que se finda; "É quase hora de jantar", dizes, quando adentramos a varanda de uma casa ao pé do mar, aquela mesma casa cuja viga mestra é o teu corpo e cujo alento é a tua alma. "E acima de tudo, eu quero que fiques", dizes ainda, enquanto as vozes distantes se aproximam e nós nos incorporamos naturalmente à companhia daqueles que te amam, como se tempestades elétricas não irrompessem a cada instante, na sala, na cozinha, em qualquer lugar, só porque o teu hálito existe, só porque existe o teu perfil na tarde cinza. Com a voz sumida, as chaves de um reino nas mãos suadas, eu pergunto ainda, antes do rapto: "Acima do desejo ou da necessidade?"
Words by Lívia Soares
Painting by Christopher Mir