quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Dos "Cadernos de Poesia": Morpheus, uma Tradução


Não te deixes levar pelos


movimentos oculares rápidos, esse


manancial de fábula e engano.


Quanto do Sonhar não passa


de um delírio que deixa resíduos


nas pálpebras! E no entanto,


eu te digo: sou daqueles que


nasceram com a fronte marcada,


em mim o Sonhar esfumou as fronteiras


entre céus e terras, corpo e alma


e todos os reinos intersticiais.


Quando acordo, tenho marcas por


toda parte e nunca sei o quanto


de mim deixei na terra das sombras.


Tenho, por exemplo, nas pontas


dos dedos um gosto de auroras;


algumas estrelas tatuadas na


noite escura da alma; sardas


salpicadas pelas colinas num torso


a desmanchar-se de brancura;


a Via Láctea disposta e alojada


entre as costelas de um visitante;


a persistência de azuis aéreos


explodindo no céu da boca;


tempestades de areia traçando


arabescos e enigmas convidativos...


Talvez por isso, não ousei, nunca,


duvidar do monumento a que


chamei - a Vida Verdadeira. Assim


eu nos vejo quando sonho. Tu


estás comigo, não como "deverias",


não a estupidez de uma utopia.


Estás comigo inteiramente, com


todas as colunas do Templo restauradas,


com todos os Paraísos reconquistados,


bem visíveis os termos da equação.


E ao despertar, o monumento


se confirma na largueza dos céus,


nas pinceladas da aurora,


na gravidade dos ventos: somos nós.


Os corpos já tocados pelo outono,


as almas educadas nas veredas,


as mãos firmes, delicadamente


portando as chaves de um reino


cujo tempo chegou, e nós sabemos.


Words by Lívia Soares
Painting by John William Waterhouse

2 comentários:

ANALUKAMINSKI PINTURAS disse...

Cara Lívia, voltei aqui a partir da leitura de um comentário teu no Almofariz, em que comentas o poema do Carlos sobre as "musas que já se foram". Tão bonito o que escreveste!... Então fiquei com vontade de te visitar, e dizer que linkarei o teu blog lá no Ânkoras & Asas, está bem? Beijos alados.

Carlos Henrique Leiros disse...

Caríssima;
.
Saberia eu pouco explicar acerca do que sempre evocam seus versos. Algo de uma bela estranheza, como se nos deparássemos com animais mitológicos vivendo hoje. É mais ou menos como me sinto, verdadeiramente, e o ato de relê-los mais e mais patenteia a idéia de que poemas escritos com arte têm a capacidade de nos transportar além das fronteiras reais, do que é humanamente palpável.
Belíssima postagem.
No mais, recuso-me a falar sobre a escolha de Waterhouse. É que não sei explicar o que me parece supremo!
Abraços do
Carlos