
Egresso de algum naufrágio, trouxeram
de volta à praia um homem - quase afogado.
De uma quase morte para esta semivida.
Silêncio em volta dele, qual muralha
líquida. O riso dos salvadores, nervoso,
cheio de farpas, na tarde clara.
Por causa do ex-náufrago, afastou-se
o fantasma do tédio. Pescadores de homens,
cada um tem hoje uma história
para contar em casa - onde são heróis.
O recém-salvo salvou seu dia. E agradece.
Embora só consiga olhar detidamente,
perdidamente, o mar. Embora só tenha
ouvidos para o que lhe diz a garganta
imensa, devoradora de navios. Embora
tenha o corpo marcado pelas infinitas
vagas que esculpiram seu destino.
Na imemorial espuma do deus,
na garganta multiforme do deus,
ficou sua alma aprisionada, transmutada
em lâmina, em gema, em cristais que
cantam, toda vez que ele lembra.
Words by Livia Soares
Image : Painting by Du Xinjian (somewhat modified)